A situação da arquitetura não modernista no mundo contemporâneo

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Tradução de Jorge de Azevedo de uma entrevista feita pelo portal Venetian Letter com o ativista pró-arquitetura clássica Michael Diamant a respeito da situação da arquitetura não modernista no mundo contemporâneo.

Entrevista original

MICHAEL DIAMANT: NÓS MUDAMOS A NARRATIVA ESCANDINAVA SOBRE ARQUITETURA

Michael Diamant estudou planejamento social na Universidade de Estocolmo, Suécia, e tem um interesse notável em arquitetura, planejamento e sociologia urbanos, demografia, história e antropologia social. Em 2013, ele começou um grupo no Facebook para promover a “nova arquitetura tradicional”, que já conta com mais de 25 mil membros. Um ano mais tarde, um membro desse grupo começou o seu próprio, chamado Arkitekturupporet (“Architectural Uprising” / “Reavivamento Arquitetônico” em inglês e português, respectivamente), o qual já conta com mais de 50 mil membros e transformou o debate sobre arquitetura na Suécia, fazendo pipocar múltiplos grupos regionais na Noruega, Finlândia, Dinamarca e outros países.

Prédio residencial em Pokrovsky Boulevard, Moscou, Rússia, completado em 2019. Imagem: Mezonproject.

Prédio residencial em Pokrovsky Boulevard, Moscou, Rússia, completado em 2019. Imagem: Mezonproject.

Natalia Olszewska: Seja bem-vindo, Michael! Você poderia falar para quem nos lê sobre seus interesses e como surgiram?

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Michael Diamant: Eu estudei sociologia urbana e planejamento social na Universidade de Estocolmo. Eu sempre fui interessado em arquitetura e planejamento urbano, especificamente no planejamento urbano clássico. Eu me interesso bastante em sociologia urbana, demografia, história, cultura e antropologia social. Também gosto de arquitetura, mas não tenho conhecimentos mais profundos na área do que distinguir os estilos que existem e como fazer uma boa fachada.

Muito tempo atrás, eu notei que os prédios antigos normalmente pareciam muito bonitos para mim, e os novos não. O que também notei é que a maioria das pessoas também adotam esse pensamento; elas “votam com seus pés”. Pode ser que as pessoas normalmente não se atrevam a dizer que elas acham quase todas as construções modernistas feias, mas onde as pessoas vão tirar férias e aonde elas gostam de ir lhe fala muito a respeito disso.

Eu vivo em Estocolmo, na Suécia, e aqui temos vários exemplos de horrendas intervenções urbanas erigidas da década de 1960 em diante. Recentemente, os responsáveis pelo nosso turismo realizou esforços incríveis para eliminar todos os prédios modernistas de seus materiais propagandísticos de Estocolmo. Aparentemente, eles também compreendem o que normalmente as pessoas gostam.

Isso eu logo percebi, porém, como a maioria das pessoas, não tinha ideia do que fazer quanto a isso. Então, com a ascensão das redes sociais, como o Facebook, eu comecei um grupo na Suécia. Os suecos têm uma grande confiança em suas habilidades técnicas, mas não em sua cultura. Eles não ousam fazer nada por si mesmos, mas se outros fazem alguma coisa em Berlim ou Nova Iorque, daí os suecos farão o mesmo. Portanto, a abordagem se fazia simples – para exibir novos exemplos de arquitetura tradicional, eles deveriam ser construídos precisamente nesses lugares.

Em 2017, a Universidade de Yale completou dois novos dormitórios universitários em seu campus, o Dormitório Pauli Murray e o Dormitório Benjamim Franklin. Imagem: Robert A.M. Stern Architects LLP.

Em 2017, a Universidade de Yale completou dois novos dormitórios universitários em seu campus, o Dormitório Pauli Murray e o Dormitório Benjamim Franklin. Imagem: Robert A.M. Stern Architects LLP.

O Reavivamento Arquitetônico

Mais tarde, nós criamos o “Swedish Architectural Uprising” (“Reavivamento Arquitetônico Sueco”, em português”), que agora é o maior grupo de arquitetura da Suécia no Facebook. Ajudamos a formar grupos similares na Noruega, Finlândia, Dinamarca e até na Croácia. Até o momento, eles tiveram enorme sucesso em atiçar o debate público tanto na Suécia como na Noruega, mais recentemente.

O que conseguimos, em termos, foi mudar todo o discurso público. As pessoas perguntam-se: “Por que hoje só podemos construir coisas parecidas com as modernistas?” À medida que começamos a debater isso e pesquisamos mais, chegamos a certas conclusões. Não tinha nada que ver com custos, tampouco com as “empreiteiras ‘malvadonas’”. Antes, era coisa relacionada com a ideologia modernista adotada pelas cátedras de arquitetura.
Nelas, você tem uma “seleção automática” de pessoas que preferem o modernismo e, como resultado, ano após ano, pessoas que assim pensam é que são admitidas nas faculdades. Já as pessoas que preferem projetar classicamente ou têm grandes habilidades no desenho em geral não estão aptas a ingressar nos cursos de arquitetura.

Isso é algo próximo de um projeto identitário para os acadêmicos em arquitetura. Essa pequena minoria orgulha-se de gostar daquilo que as outras pessoas acham desagradável. No entanto, parece que os prédios que eles concebem desagradam a eles mesmos. Foi publicada recentemente uma pesquisa interessantíssima numa revista arquitetônica sueca. Foi concluído que a maior parte dos arquitetos suecos moram em prédios anteriores a 1930. É como se o modernismo fosse algo que servisse apenas para os outros. Os arquitetos têm como objetivo para eles próprios viver em bairros tradicionais com arquitetura tradicional, mas constroem o que é modernista e desarmônico para o público.

Essa abordagem contemporânea é também fixada nos “novos” mantras de desenho em relação a todo e qualquer prédio. “Novo”, em desenho de arquitetura, é o atributo mais importante para um prédio, mais importante até do que o prédio ser bom. Mas será que você pode criar um prédio que pareça “novo” de acordo com essa filosofia com as poucas opções que os arquitetos modernistas têm? Eles não têm a permissão de usar qualquer tipo de referência histórica, ornamentos ou expressões culturais.

Portanto, o único meio de criar um novo projeto é usar softwares de computador, imaginar as formas mais bizarras que você puder e rotular isso como “novo”. Não é preciso pensar tanto se o projeto ficou bom, pois ele é “novo”. Com isso, você tem a aprovação dos seu colegas e o que o público pensa não importa de fato, pois quem faz parte dele é visto como leigo demais para apreciar conceitos “novos”.

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Então o que fazer para avançar com meu grupo de Facebook? O grupo que eu comecei e aqueles que ajudei a criar mostram que hoje em dia ainda se constrói exemplares novos de arquitetura tradicional e que isto é algo bom. São construídos em países diferentes, em países vizinhos ao seu. É assim que a discussão toda começa, é assim que você desperta o “gênio da lâmpada”.

Daí, a discussão explode porque mais e mais pessoas notam que toda essa feiura é 100% relacionada ao pensamento modernista e a nada mais; não é sobre custos para se construir, sobre materiais, sobre “construtoras gananciosas” ou coisa que o valha. E se pudermos nos afastar de tal ideologia, então teremos um mundo mais bonito. Para mim, é simples como parece.

Habitação multifamiliar em Talin, Estônia, completada em 2012. Imagem: Arhitektibüroo Allan Strus.

Habitação multifamiliar em Talin, Estônia, completada em 2012. Imagem: Arhitektibüroo Allan Strus.

Pela mudança do debate

Natalia: Muito obrigada por explicar isso. Como você percebeu que o discurso público estava indo a essa direção na Suécia?

Michael: As pessoas não podem se expressar como querem. Desde os anos 1960 existem críticas ao modernismo, mas elas sempre foram suprimidas. Não havia mídias sociais ou algo assim. Havia alguns jornais e publicações especializadas em arquitetura. Críticas, em vista disso, não eram toleradas.

Mas então o Arkitekturupporet chegou e ascendeu meteoricamente devido ao descontentamento popular. Há mais de 50 mil membros na Suécia e muitos das visões do grupo foram expressadas em jornais nos últimos cinco anos; artigo após artigo e entrevista após entrevista.

Quais foram os resultados? A arquitetura não mudou tanto, ainda que o debate público sim. Porém, muitos políticos já entenderam que “é nessa direção que o vento sopra”, tendo iniciado a sua defesa pela arquitetura clássica. Como resultado, temos novos projetos aprovados em Estocolmo e Gotemburgo, bem como em cidades menores.

No entanto, há um problema: A falta de arquitetos com especialização clássica, o que limita a criatividade e qualidade dos projetos. Talvez tenhamos quatro ou cinco arquitetos devidamente treinados na tradição clássica em toda a Suécia.

O objetivo final disso tudo não é eternizar [o desenho de] arquitetura do século XIX, mas aprender com o pensamento desse passado e entender como criar um prédio que satisfaça a mente humana. Baseado em tal entendimento, é possível criar uma infinidade de estilos, todos ancorados na compreensão básica de como criar uma fachada distinta nos detalhes.
A arquitetura renascentista não é igual à rococó, e a rococó não é igual à art déco, são todas bem diferentes, mas compartilham da mesma filosofia ou compreensão de como criar uma fachada. Sabe, você tem as proporções, as simetrias, a divisão básica de fachada e você entende que algumas formas são interpretadas e entendidas pelo cérebro mais facilmente.

Baseado nisso, você pode criar novos estilos para o nosso tempo. Você pode ser inspirado por expressões culturais antigas, como a herança greco-romana, mas você também pode criar modos de ornamentação novos. Podemos incorporar nosso zeitgeist (“espírito do tempo”) e suas expressões nos edifícios que temos. Isso não é um problema, mas você tem de combiná-las tendo em mente como criar prédios que sejam atraentes à mente humana.

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Em 2019, um prédio com uma fachada planejada ainda nos anos 1920 substituiu um edifício do pós-guerra na Praça Lajos, em Budapeste, Hungria. Imagem: Michael Diamant.

Em 2019, um prédio com uma fachada planejada ainda nos anos 1920 substituiu um edifício do pós-guerra na Praça Lajos, em Budapeste, Hungria. Imagem: Michael Diamant.

O grande descontentamento

Natalia: Poderia dizer, baseado na sua experiência em firmar conexões com comunidades ao redor do mundo, se esse descontentamento com a arquitetura contemporânea é universal?

Michael: É universal. Rússia, Sérvia, Grécia, Brasil, Peru, Austrália, Indonésia, Filipinas. Dá-se o mesmo em todo lugar. Todos pertencemos à mesma raça humana. Estudando os povos, você provavelmente vai achar padrões similares de como as pessoas veem seu ambiente circundante e como preferem que ele seja.

Se eu pudesse dar um palpite qualificado, diria que temos vestígios de um “cérebro da idade da pedra”, o que significa que queremos segurança e legibilidade no nosso ambiente. Precisamos de um ambiente com fácil leitura, mas ao mesmo tempo que não seja monótono. Do contrário, nosso cérebro ficará entediado.

Natalia: E baseado no seu conhecimento de antropologia social, o que poderia dizer sobre o impacto social da arquitetura contemporânea ou arquitetura modernista nas pessoas?

Michael: Penso que tem muito a ver com nosso senso de identidade. Construímos nossa identidade ao redor do nosso ambiente, pessoas identificam-se com lugares pulcros. Elas não querem se identificar com lugares abjetos. Pessoas que moram em lugares bonitos e aprazíveis tem uma identidade local fortíssima. Se você tem orgulho da sua vizinhança, é evidente que vai querer cuidar melhor dela. Como resultado, você vai sentir-se melhor enquanto ser humano.

Tem uns distritos novos nas cidades onde tudo é feito de aço e vidro, e muitas pessoas mudam-se para eles porque isto é parte de sua identidade projetual, elas querem sentir-se modernas e progressistas. O problema é que esses lugares envelhecem terrivelmente. Vinte anos depois, as pessoas pensam: “Meu Deus, que troço feio…”, então se mudam deles assim que podem.

Isso é exatamente o que houve na década de 1960 [em Estocolmo], quando as pessoas mudaram-se para essas áreas com modernos arranha-céus de concreto providos de água encanada e eletricidade. Daí, alguns anos depois, quem pôde se mudou, já que esses lugares careciam do charme e da beleza dos bairros históricos da cidade.

Natalia: Quando você disse que as pessoas que moravam em áreas belas tinham orgulho disso, bem, talvez elas tenham também mais confiança. É quase possível asseverar que elas têm mais oportunidades de autorrealização por conta do seu entorno.

Michael: Sim, é um aspecto da autorrealização. Na década de 1960, queríamos apenas resolver o problema da falta de moradia. As pessoas necessitavam de água encanada e eletricidade, mas assim que obtiveram isso, começaram a se levar por novos projetos e ideias: “Eu queria um casarão” ou “Eu quero viver num lugar bonito, com uma padaria perto, e virar boêmio.” É um típico sonho da classe média.

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Na Suécia, existem pouquíssimos bairros de arquitetura clássica. São as áreas mais velhas dos centros das pequenas cidades, e todos ocupados por moradores de classe média-alta. Se você for para o centro de Estocolmo, não verá pobres. Lá também não há classe média. Todos são de classe média-alta e trabalham no setor bancário ou são diretores de arte. Todo o resto é ausente.

Temos estatísticas disso para a Suécia. Um edifício levantado no final do século XIX vale duas vezes mais do que um prédio do mesmo bairro erigido na década de 1960, e isto não tem nada que ver com a metragem quadrada.

Walker Hotel Greenwich Village em Nova Iorque, Estados Unidos, completado em 2013. Imagem: Atelier & Co.

Walker Hotel Greenwich Village em Nova Iorque, Estados Unidos, completado em 2013. Imagem: Atelier & Co.

Sustentavelmente tradicional

Natalia: Você acha que podemos ser otimistas sobre o futuro das nossas cidades?

Michael: Depende do quanto eu ainda vou viver! (risos)

A situação atual na arquitetura é muito ruim, mas tem mudado porque há estudantes ao redor de todo o mundo interessados em arquitetura clássica. Por exemplo, eu estabeleci contato com muitos jovens classicistas poloneses. Atualmente, há uma discussão numa das universidades da Europa Central – estão considerando a fundação de uma faculdade de arquitetura clássica, e isto tem acontecido em toda a Europa. Este é só o começo, levará décadas antes que esse jovem pessoal comece a ter poder, mas as coisas têm começado a mudar.

Arquitetura e urbanismo tradicionais são matéria de sustentabilidade. Urbanistas são frequentemente influenciados pelo pensamento modernista e muitos chavões, tais como “urbanismo tático” e “cidade dos 15 minutos”. Essencialmente, no entanto, isso é urbanismo tradicional. Não precisamos inventar expressões floreadas como essas. Toda a profissão parece ter ficado presa no pensamento de que você não pode aprender nada do passado e tudo precisa ser novo, novo, novo.

Contudo, se você se preocupa com as mudanças climáticas, vai-se importar também com a habitação social, logo deveria criar um bom urbanismo clássico. É o que torna uma cidade compacta, quando você reduz a necessidade por transporte e logística – isto é ser amigável para com o clima.

Do mesmo jeito, você pode criar uma arquitetura que as pessoas queiram manter. O maior impacto que um edifício tem no meio ambiente é quando ele é construído. Se você criar belos prédios, as pessoas vão querer mantê-los. O que faz um prédio permanecer por centenas de anos não são os materiais, mas um valor que vai além da sua função – normalmente beleza combinada com expressões culturais.

Se você fizer alguma coisa bastante bonita, ela poderá durar milhares de anos, pois cada nova geração verá seu valor e vai preservá-la. Se você levantar um prédio pavoroso, ainda que feito de materiais ecológicos, cedo ou tarde ele será derrubado quando não for mais útil.

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Apenas veja como é que os edifícios industriais antigos são remodelados para abrigarem apartamentos de classe média-alta. Quantas fábricas da atualidade serão reformadas para se tornarem a moradia dessas pessoas? Não vai acontecer. Perceba, as velhas fábricas são tão bonitas que desejamos reusá-las. Isto é arquitetura verde – aquela que tem valor além da sua função imediata.

Na Europa continental, é comum que muitos prédios antigos tenham pátios. Antigamente, costumava-se lavar roupas nesses pátios. Hoje, você tem um espaço amplo que pode ser configurado como espaço verde privado. Daí, você constrói varandas que dêem para ele. Ganha-se um lugar privativo, silencioso e agradável onde você pode ler seu jornal matutino. Fora dele, está a cidade movimentada. É um conceito excelente.

Prédio residencial na Avenida 28 de Paris, competado em 2012. Imagem: Bridot Partenaires Architectes e Michael Diamant.

Prédio residencial na Avenida 28 de Paris, completado em 2012. Imagem: Bridot Partenaires Architectes e Michael Diamant.

Natalia: Você já pode ter ouvido falar de Jan Gehl, suas pesquisas e ideias. Há todo um movimento urbanista criado por ele através da observação de como as pessoas se comportam numa cidade. Um de seus conceitos é chamado de “cidade suave”, o qual descreve exatamente o que você falou agora mesmo.

Para nossa última pergunta, você poderia compartilhar conosco bairros ou prédios que exemplifiquem o que discutimos?

Michael: Eu sempre compartilho exemplos novos de arquitetura tradicional no meu grupo, New Traditional Architecture, aberto para todo mundo. Citar um só exemplo não é fácil, pois normalmente ninguém está conseguindo fazer tudo corretamente.

Se você estiver procurando arquitetura clássica bem feita, eu diria que você deveria olhas os empreendimentos alemães.

Se quer urbanismo tradicional relativamente bem feito, pesquise pela França.

Se quer criatividade na arquitetura clássica, infelizmente não raro exagerada nas dimensões, pesquise pela Rússia.

Se quer novos e fantásticos edifícios clássicos, mas em contextos urbanos um tanto simplórios, pesquise pelos Estados Unidos.

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